segunda-feira, 4 de maio de 2015

EXPRESSÕES DO SOLA SCRIPTURA - A DECLARAÇÃO DE CAMBRIDGE

3.2. Declaração de Cambridge (1996)

Mais recentemente, a Aliança de Evangélicos Confessionais (Alliance of Confessing Evangelicals), reunida em Cambridge, Massachusetts, em 20 de abril de 1996, elaborou uma declaração, visando resgatar os “5 Solas da Reforma Protestante”.

De acordo com o sítio virtual da Aliança:

A Aliança de Evangélicos Confessionais é uma ampla coalizão de pastores evangélicos, acadêmicos e clérigos de várias denominações, incluindo Batista, Congregacional (Independente), Anglicana (Episcopal), Presbiteriana, Reformada, e Luterana que sustentam os credos e confissões históricas da fé Reformada e que proclamam a doutrina bíblica, a fim de promover um despertar reformado na Igreja de hoje. O propósito da existência da Aliança é chamar a Igreja, em meio a uma cultura de morte, a arrepender-se de seu mundanismo, para recuperar e confessar a verdade da Palavra de Deus como fizeram os reformadores, e ver essa verdade encarnada na doutrina, culto e vida.
Who We Are”, disponível no endereço eletrônico http://www.alliancenet.org/what-is-the-alliance, tradução livre do inglês.

Sobre a Declaração de Cambridge explica um de seus elaboradores, James Montgomery Boice:

The Cambridge Declaration [A Declaração de Cambridge], que segue a este prefácio, e os oito trabalhos de apoio são os produtos da reunião histórica de 120 pastores, docentes e líderes evangélicos de organizações paraeclesiásticas realizada em Cambridge, Massachusetts, de 17 a 20 de abril de 1996. Acreditando que o movimento evangélico está em crise, essas pessoas se reuniram com a finalidade de convocar a igreja da América a se arrepender de seu mundanismo e buscar recuperar as doutrinas bíblicas apostólicas, porque só elas capacitam a igreja e proporcionam integridade para o seu testemunho. A reunião foi convocada pela Aliança de Evangélicos Confessionais (...).
Boice, James M. e outros, “Reforma hoje: uma convocação feita pelos evangélicos confessionais”, Cambuci: Cultura Cristã, 1999, p. 5.


Prossegue dizendo:


Nesses quatro dias de reuniões foram apresentados trabalhos sobre quatro assuntos: “Nossa Cultura Moribunda”, de David F. Wells e Ervin S. Duggan; “As Verdades da Palavra de Deus”, de R. Albert Mohler Jr. e Gene Edward Veith; “Arrependimento, Recuperação, e Confissão”, de Michael S. Horton e Sinclair B. Ferguson e “A Reforma da Igreja na Doutrina, Culto e Vida”, de W. Robert Godfrey e James M. Boice.
A Declaração de Cambridge, derivada desses trabalhos, foi preparada em sua forma preliminar por um comitê de redação da aliança, subseqüentemente trabalhada na conferência com base nas sugestões e críticas que surgiram quando da discussão dos temas apresentados nos trabalhos, e então assinada formalmente por quase todos os presentes à reunião de encerramento.
Várias pessoas envolvidas nessa reunião haviam trabalhado juntas, de 1978 a 1988, no Conselho Internacional sobre a Inerrância Bíblica. Mas em Cambridge o desafio foi bem maior do que qualquer coisa que se enfrentasse no Conselho de Inerrância. Este tivera um alvo claramente definido: recuperar e defender a inerrância como elemento essencial da doutrina da autoridade bíblica e como necessária à saúde da igreja. Além disso, era uma doutrina sobre a qual a maioria dos evangélicos devia estar de acordo. As tarefas do conselho foram, portanto, (1) mostrar que a maioria dos evangélicos cria na inerrância; (2) explicar como a inerrância e as doutrinas ligadas a ela devem ser compreendidas e (3) aplicar a doutrina aos desafios da época.
A tarefa proposta à aliança é mais dificil. Primeiro, não se trata de um ponto facilmente definido, como a inerrância, e sim, de toda uma perda de nível ou defecção doutrinária geral entre muitos assim chamados evangélicos. Segundo, este é um assunto sobre o qual não existe consenso evangélico. Pelo contrário, muitos nem percebem a existência de um problema, o que por si só já é grande parte do problema. Terceiro, a aliança está procurando expor este vácuo numa época em que muitas igrejas argumentam que seus sucessos mostram que os evangélicos estão no caminho certo e que as bênçãos de Deus são aparentes em todos os lugares. Os cultos são bem assistidos. Os orçamentos são amplos. Livros evangélicos, música, vídeos, programas de televisão e rádio gospel, bem como os grupos de estudo, estão em franco progresso.
Então o que há de errado com os evangélicos? A resposta é que nós nos tornamos mundanos. Abandonamos as verdades da Bíblia e a teologia histórica da igreja que expressa essas verdades, e estamos tentando fazer a obra de Deus por meio da “teologia”, da sabedoria, dos métodos e da agenda do mundo. Será que isso significa que os evangélicos negam a Bíblia ou voltam as costas oficialmente à doutrina clássica cristã? Não é bem isso. O que ocorre é que a teologia da Bíblia acaba não influindo significativamente sobre aquilo que pensamos ou fazemos – mesmo quando nós a entendemos, e quase nunca a entendemos. As pesquisas mostram que o evangelho que a maioria dos crentes contemporâneos segue é essencialmente Deus nos ajudando a nos ajudar. Tem muito a ver com a auto-estima, boas atitudes mentais e sucesso mundano. Não há muita pregação sobre o pecado, o inferno, o juízo, ou a ira de Deus, para não dizer sobre as grandes doutrinas da cruz como a redenção, a expiação, a reconciliação, a propiciação, a justificação, a graça, e a própria fé.
Na falta de uma teologia sadia, bíblica, bem entendida, os evangélicos foram apanhados como presa do pragmatismo e consumismo de nossos dias. Em vez de chamar o povo de Deus para adorar e servir a Deus, e ensiná-lo como fazer isso, tratamos as pessoas da igreja como compradores e vendemos o evangelho como um “produto”. Uma ótica mundial terapêutica substituiu as categorias cristãs clássicas tais como pecado e arrependimento, e muitos líderes já identificaram o evangelho com ídolos modernos tais como uma dada filosofia política, visões psicológicas do homem, e a sociologia. Até onde as doutrinas da Bíblia já deixaram de orientar a pregação, o ensino, a editoração, o evangelismo, o culto e a vida diária do povo de Deus, o evangelicalismo descambou para se tornar um movimento configurado unicamente pelo capricho e sentimentalismo popular. Para de novo se postarem reverentemente diante de Deus, os evangélicos precisam reconhecer esses ídolos como sendo ídolos, confessando o quanto fomos pegos por eles.
A Aliança de Evangélicos Confessionais crê que, dentre as verdades que os evangélicos precisam recuperar, as prioritárias são as grandes doutrinas da Reforma resumidas pelos conhecidos solas (a palavra em latirn que significa “somente”): sola Scriptura, sola fide, sola gratia, solus Christus, e soli Deo gloria.
Idem, pp. 5-7.


Falando em seguida resumidamente sobre o Sola Scriptura nesses termos:


Sola Scriptura: só a Escritura. Ao usar essas palavras, os Reformadores indicavam sua preocupação com a autoridade da Bíblia, e expressavam que a Bíblia é a única autoridade suprema -- não o papa, nem a igreja, nem tradições ou concílios de igreja, menos ainda intuições pessoais ou sentimentos subjetivos ---mas tão-somente a Escritura. Essas outras fontes de autoridade são por vezes úteis e talvez tenham seu lugar em certos casos, mas somente a Escritura é definitiva. Portanto, se qualquer dessas outras autoridades diferir dela, devem ser julgadas pela Bíblia e rejeitadas, e não o contrário. Sola Scriptura já foi chamado o princípio formal da Reforma, no sentido de que se posiciona no início de tudo e assim direciona e forma tudo que os cristãos afirmam como cristãos.
Os evangélicos negam sola Scriptura quando reinterpretam a Bíblia para que se ajuste às noções modernas de realidade, e quando ignoram seus ensinos com base em supostas revelações ou direcionamentos divinos particulares.
Idem, p. 7.


A primeira parte da Declaração de Cambridge trata justamente do Sola Scriptura, expressando-se nos seguintes termos:

Sola Scriptura: A Erosão da Autoridade
Só a Escritura é a regra inerrante da vida da igreja, mas a igreja evangélica atual fez separação entre a Escritura e sua função oficial. Na prática, a igreja é guiada, por vezes demais, pela cultura. Técnicas terapêuticas, estrategias de marketing, e o ritmo do mundo do entretenimento muitas vezes têm mais voz naquilo que a igreja quer, em como funciona, e no que oferece, do que a Palavra de Deus. Os pastores negligenciam a supervisão do culto, que lhes compete, inclusive o conteúdo doutrinário da música. À medida que a autoridade bíblica foi abandonada na prática, que suas verdades se enfraqueceram na consciência cristã, e que suas doutrinas perderam sua proeminência, a igreja foi cada vez mais esvaziada de sua integridade, autoridade moral e direcionamento.
Em lugar de adaptar a fé cristã para satisfazer as necessidades sentidas dos consumidores, devemos proclamar a Lei como medida única da justiça verdadeira, e o evangelho como a única proclamação da verdade salvadora. A verdade bíblica é indispensável para a compreensão, o desvelo e a disciplina da igreja.
A Escritura deve nos levar além de nossas necessidades percebidas para nossas necessidades reais, e libertar-nos do hábito de nos enxergar por meio das imagens sedutoras, clichês, promessas e prioridades da cultura massificada. É só à luz da verdade de Deus que nós nos entendemos corretamente e abrimos os olhos para a provisão de Deus para nossa necessidade. A Bíblia, portanto, precisa ser ensinada e pregada na igreja. Os sermões precisam ser exposições da Bíblia e de seus ensinos, não a expressão de opiniões ou ideias da época. Não devemos aceitar menos do que aquilo que Deus nos tem dado.
A obra do Espírito Santo na experiência pessoal não pode ser desvinculada da Escritura. O Espírito não fala em formas que independem da Escritura. À parte da Escritura nunca teríamos conhecido a graça de Deus em Cristo. A Palavra bíblica, e não a experiência espiritual, é o teste da verdade.
Tese 1: Sola Scriptura
Reafirmamos a Escritura inerrante como fonte única de revelação divina escrita, única para constranger a consciência. A Bíblia sozinha ensina tudo que é necessário para nossa salvação do pecado, e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser avaliado.
Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a consciência de um crente, que o Espírito Santo fale independentemente de, ou contrariando, o que está exposto na Bíblia, ou que a experiência espiritual pessoal possa ser veículo de revelação.
Boice, James M. e outros, “Reforma hoje: uma convocação feita pelos evangélicos confessionais”, Cambuci: Cultura Cristã, 1999, pp. 12-13.

A tese 1 começa com uma afirmação dúbia: “a Escritura inerrante como fonte única de revelação divina escrita”. Se é a única fonte escrita, então é possível que haja fontes não escritas. Seriam os evangélicos reconhecendo o valor da Tradição?

Entretanto, prossegue dizendo que a “Bíblia sozinha ensina tudo o que é necessário para nossa salvação do pecado, e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser avaliado”, que, implicitamente, rejeita a Tradição e o Magistério da Igreja.

Enfim, afirma; “Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a consciência de um crente”.

Aqui, de fato, é afirmado o Sola Scriptura, sem sombra de dúvida, especialmente no que respeita ao livre-exame.

O problema que emerge dessa declaração é o mesmo que já foi afirmado e reafirmado linhas atrás: se nenhum, credo, concílio ou indivíduo pode “constranger a consciência de um crente”, então tampouco o pode a mesma declaração que é subscrita pela Aliança…

E assim a doutrina do Sola Scriptura torna-se circular: nada pode obrigar a fé do crente a não ser a Bíblia – então essa doutrina mesma, então proclamada, de que somente a Bíblia pode impor os termos da crença cristã, também não o pode. A negativa de toda doutrina implica a negação da própria doutrina da negação.

No entanto, aderir a essa doutrina é condição para participar da Aliança em questão, e os “reformadores”, a quem se refere a Aliança ao declarar seus propósitos, não deixaram de perseguir e mesmo condenar à morte quem deles discordassem (é sabido que Calvino instituiu uma verdadeira polícia da fé em Genebra, e mandou dissidentes para a fogueira).

O Sola Scriptura, portanto, sustenta o livre exame da Escritura, até o ponto em que este questione aquele (ou qualquer outra doutrina estabelecida pela congregação, denominação, associação ou movimento).


Continua...

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