3.2. Declaração
de Cambridge (1996)
Mais
recentemente, a Aliança de Evangélicos Confessionais (Alliance of
Confessing Evangelicals), reunida em Cambridge, Massachusetts, em 20
de abril de 1996, elaborou uma declaração, visando resgatar os “5
Solas da Reforma Protestante”.
De
acordo com o sítio virtual da Aliança:
A Aliança de Evangélicos
Confessionais é uma ampla coalizão de pastores evangélicos,
acadêmicos e clérigos de várias denominações, incluindo Batista,
Congregacional (Independente), Anglicana (Episcopal), Presbiteriana,
Reformada, e Luterana que sustentam os credos e confissões
históricas da fé Reformada e que proclamam a doutrina bíblica, a
fim de promover um despertar reformado na Igreja de hoje. O propósito
da existência da Aliança é chamar a Igreja, em meio a uma cultura
de morte, a arrepender-se de seu mundanismo, para recuperar e
confessar a verdade da Palavra de Deus como fizeram os reformadores,
e ver essa verdade encarnada na doutrina, culto e vida.
“Who We Are”,
disponível no endereço eletrônico
http://www.alliancenet.org/what-is-the-alliance,
tradução livre do inglês.
Sobre
a Declaração de Cambridge explica um de seus elaboradores, James
Montgomery Boice:
The Cambridge Declaration [A
Declaração de Cambridge], que segue a este prefácio, e os oito
trabalhos de apoio são os produtos da reunião histórica de 120
pastores, docentes e líderes evangélicos de organizações
paraeclesiásticas realizada em Cambridge, Massachusetts, de 17 a 20
de abril de 1996. Acreditando que o movimento evangélico está em
crise, essas pessoas se reuniram com a finalidade de convocar a
igreja da América a se arrepender de seu mundanismo e buscar
recuperar as doutrinas bíblicas apostólicas, porque só elas
capacitam a igreja e proporcionam integridade para o seu testemunho.
A reunião foi convocada pela Aliança de Evangélicos Confessionais
(...).
Boice, James M. e outros,
“Reforma hoje: uma convocação feita pelos evangélicos
confessionais”, Cambuci: Cultura Cristã, 1999, p. 5.
Prossegue
dizendo:
Nesses quatro dias de reuniões
foram apresentados trabalhos sobre quatro assuntos: “Nossa Cultura
Moribunda”, de David F. Wells e Ervin S. Duggan; “As Verdades da
Palavra de Deus”, de R. Albert Mohler Jr. e Gene Edward Veith;
“Arrependimento, Recuperação, e Confissão”, de Michael S.
Horton e Sinclair B. Ferguson e “A Reforma da Igreja na Doutrina,
Culto e Vida”, de W. Robert Godfrey e James M. Boice.
A Declaração de Cambridge,
derivada desses trabalhos, foi preparada em sua forma preliminar por
um comitê de redação da aliança, subseqüentemente trabalhada na
conferência com base nas sugestões e críticas que surgiram quando
da discussão dos temas apresentados nos trabalhos, e então assinada
formalmente por quase todos os presentes à reunião de encerramento.
Várias pessoas envolvidas
nessa reunião haviam trabalhado juntas, de 1978 a 1988, no Conselho
Internacional sobre a Inerrância Bíblica. Mas em Cambridge o
desafio foi bem maior do que qualquer coisa que se enfrentasse no
Conselho de Inerrância. Este tivera um alvo claramente definido:
recuperar e defender a inerrância como elemento essencial da
doutrina da autoridade bíblica e como necessária à saúde da
igreja. Além disso, era uma doutrina sobre a qual a maioria dos
evangélicos devia estar de acordo. As tarefas do conselho foram,
portanto, (1) mostrar que a maioria dos evangélicos cria na
inerrância; (2) explicar como a inerrância e as doutrinas ligadas a
ela devem ser compreendidas e (3) aplicar a doutrina aos desafios da
época.
A tarefa proposta à aliança
é mais dificil. Primeiro, não se trata de um ponto facilmente
definido, como a inerrância, e sim, de toda uma perda de nível ou
defecção doutrinária geral entre muitos assim chamados
evangélicos. Segundo, este é um assunto sobre o qual não existe
consenso evangélico. Pelo contrário, muitos nem percebem a
existência de um problema, o que por si só já é grande parte do
problema. Terceiro, a aliança está procurando expor este vácuo
numa época em que muitas igrejas argumentam que seus sucessos
mostram que os evangélicos estão no caminho certo e que as bênçãos
de Deus são aparentes em todos os lugares. Os cultos são bem
assistidos. Os orçamentos são amplos. Livros evangélicos, música,
vídeos, programas de televisão e rádio gospel, bem como os grupos
de estudo, estão em franco progresso.
Então o que há de errado com
os evangélicos? A resposta é que nós nos tornamos mundanos.
Abandonamos as verdades da Bíblia e a teologia histórica da igreja
que expressa essas verdades, e estamos tentando fazer a obra de Deus
por meio da “teologia”, da sabedoria, dos métodos e da agenda do
mundo. Será que isso significa que os evangélicos negam a Bíblia
ou voltam as costas oficialmente à doutrina clássica cristã? Não
é bem isso. O que ocorre é que a teologia da Bíblia acaba não
influindo significativamente sobre aquilo que pensamos ou fazemos –
mesmo quando nós a entendemos, e quase nunca a entendemos. As
pesquisas mostram que o evangelho que a maioria dos crentes
contemporâneos segue é essencialmente Deus nos ajudando a nos
ajudar. Tem muito a ver com a auto-estima, boas atitudes mentais e
sucesso mundano. Não há muita pregação sobre o pecado, o inferno,
o juízo, ou a ira de Deus, para não dizer sobre as grandes
doutrinas da cruz como a redenção, a expiação, a reconciliação,
a propiciação, a justificação, a graça, e a própria fé.
Na falta de uma teologia
sadia, bíblica, bem entendida, os evangélicos foram apanhados como
presa do pragmatismo e consumismo de nossos dias. Em vez de chamar o
povo de Deus para adorar e servir a Deus, e ensiná-lo como fazer
isso, tratamos as pessoas da igreja como compradores e vendemos o
evangelho como um “produto”. Uma ótica mundial terapêutica
substituiu as categorias cristãs clássicas tais como pecado e
arrependimento, e muitos líderes já identificaram o evangelho com
ídolos modernos tais como uma dada filosofia política, visões
psicológicas do homem, e a sociologia. Até onde as doutrinas da
Bíblia já deixaram de orientar a pregação, o ensino, a
editoração, o evangelismo, o culto e a vida diária do povo de
Deus, o evangelicalismo descambou para se tornar um movimento
configurado unicamente pelo capricho e sentimentalismo popular. Para
de novo se postarem reverentemente diante de Deus, os evangélicos
precisam reconhecer esses ídolos como sendo ídolos, confessando o
quanto fomos pegos por eles.
A Aliança de Evangélicos
Confessionais crê que, dentre as verdades que os evangélicos
precisam recuperar, as prioritárias são as grandes doutrinas da
Reforma resumidas pelos conhecidos solas (a palavra em latirn que
significa “somente”): sola Scriptura, sola fide, sola
gratia, solus Christus, e soli Deo gloria.
Idem, pp. 5-7.
Falando
em seguida resumidamente sobre o Sola
Scriptura
nesses termos:
Sola Scriptura: só a
Escritura. Ao usar essas palavras, os Reformadores indicavam sua
preocupação com a autoridade da Bíblia, e expressavam que a Bíblia
é a única autoridade suprema -- não o papa, nem a igreja, nem
tradições ou concílios de igreja, menos ainda intuições pessoais
ou sentimentos subjetivos ---mas tão-somente a Escritura. Essas
outras fontes de autoridade são por vezes úteis e talvez tenham seu
lugar em certos casos, mas somente a Escritura é definitiva.
Portanto, se qualquer dessas outras autoridades diferir dela, devem
ser julgadas pela Bíblia e rejeitadas, e não o contrário. Sola
Scriptura já foi chamado o princípio formal da Reforma, no
sentido de que se posiciona no início de tudo e assim direciona e
forma tudo que os cristãos afirmam como cristãos.
Os evangélicos negam sola
Scriptura quando reinterpretam a Bíblia para que se ajuste às
noções modernas de realidade, e quando ignoram seus ensinos com
base em supostas revelações ou direcionamentos divinos
particulares.
Idem, p. 7.
A
primeira parte da Declaração de Cambridge trata justamente do Sola
Scriptura,
expressando-se nos seguintes termos:
Sola Scriptura: A
Erosão da Autoridade
Só a Escritura é a regra
inerrante da vida da igreja, mas a igreja evangélica atual fez
separação entre a Escritura e sua função oficial. Na prática, a
igreja é guiada, por vezes demais, pela cultura. Técnicas
terapêuticas, estrategias de marketing, e o ritmo do mundo do
entretenimento muitas vezes têm mais voz naquilo que a igreja quer,
em como funciona, e no que oferece, do que a Palavra de Deus. Os
pastores negligenciam a supervisão do culto, que lhes compete,
inclusive o conteúdo doutrinário da música. À medida que a
autoridade bíblica foi abandonada na prática, que suas verdades se
enfraqueceram na consciência cristã, e que suas doutrinas perderam
sua proeminência, a igreja foi cada vez mais esvaziada de sua
integridade, autoridade moral e direcionamento.
Em lugar de adaptar a fé
cristã para satisfazer as necessidades sentidas dos consumidores,
devemos proclamar a Lei como medida única da justiça verdadeira, e
o evangelho como a única proclamação da verdade salvadora. A
verdade bíblica é indispensável para a compreensão, o desvelo e a
disciplina da igreja.
A Escritura deve nos levar
além de nossas necessidades percebidas para nossas necessidades
reais, e libertar-nos do hábito de nos enxergar por meio das imagens
sedutoras, clichês, promessas e prioridades da cultura massificada.
É só à luz da verdade de Deus que nós nos entendemos corretamente
e abrimos os olhos para a provisão de Deus para nossa necessidade. A
Bíblia, portanto, precisa ser ensinada e pregada na igreja. Os
sermões precisam ser exposições da Bíblia e de seus ensinos, não
a expressão de opiniões ou ideias da época. Não devemos aceitar
menos do que aquilo que Deus nos tem dado.
A obra do Espírito Santo na
experiência pessoal não pode ser desvinculada da Escritura. O
Espírito não fala em formas que independem da Escritura. À parte
da Escritura nunca teríamos conhecido a graça de Deus em Cristo. A
Palavra bíblica, e não a experiência espiritual, é o teste da
verdade.
Tese 1: Sola Scriptura
Reafirmamos a
Escritura inerrante como fonte única de revelação divina escrita,
única para constranger a consciência. A Bíblia sozinha ensina tudo
que é necessário para nossa salvação do pecado, e é o padrão
pelo qual todo comportamento cristão deve ser avaliado.
Negamos que qualquer credo,
concílio ou indivíduo possa constranger a consciência de um
crente, que o Espírito Santo fale independentemente de, ou
contrariando, o que está exposto na Bíblia, ou que a experiência
espiritual pessoal possa ser veículo de revelação.
Boice, James M. e outros,
“Reforma hoje: uma convocação feita pelos evangélicos
confessionais”, Cambuci: Cultura Cristã, 1999, pp. 12-13.
A
tese 1 começa com uma afirmação dúbia:
“a Escritura inerrante como fonte única de revelação divina
escrita”.
Se é a única fonte escrita, então é possível que haja fontes não
escritas. Seriam os evangélicos reconhecendo o valor da Tradição?
Entretanto,
prossegue dizendo que a “Bíblia
sozinha ensina tudo o que é necessário para nossa salvação do
pecado, e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser
avaliado”,
que, implicitamente, rejeita a Tradição e o Magistério da Igreja.
Enfim,
afirma; “Negamos
que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a
consciência de um crente”.
Aqui,
de fato, é afirmado o
Sola Scriptura,
sem sombra de dúvida, especialmente no que respeita ao livre-exame.
O
problema que emerge dessa declaração é o mesmo que já foi
afirmado e reafirmado linhas atrás: se nenhum,
credo,
concílio ou indivíduo pode “constranger
a consciência de um crente”,
então tampouco o pode a mesma declaração que é subscrita pela
Aliança…
E
assim a doutrina do Sola
Scriptura
torna-se circular: nada pode obrigar a fé do crente a não ser a
Bíblia – então essa doutrina mesma, então proclamada, de que
somente a Bíblia pode impor os termos da crença cristã, também
não o pode. A negativa de toda doutrina implica a negação da
própria doutrina da negação.
No
entanto, aderir a essa doutrina é condição para participar da
Aliança em questão, e os “reformadores”, a quem se refere a
Aliança ao declarar seus propósitos, não deixaram de perseguir e
mesmo condenar à morte quem deles discordassem (é sabido que
Calvino instituiu uma verdadeira polícia da fé em Genebra,
e mandou dissidentes para a fogueira).
O
Sola
Scriptura,
portanto, sustenta o livre exame da Escritura, até o ponto em que
este questione
aquele (ou qualquer outra doutrina estabelecida pela congregação,
denominação, associação ou movimento).
Continua...
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